A entrevista aconteceu na Diaconia Geral no último dia 7, à tarde. Foram mais de duas horas de conversa com a repórter Daniela Nogueira. Moysés falou sobre sua história que se confunde com a do Shalom, como disse a jornalista em seu editorial.
Temas como a experiência com Deus, o encontro com o papa João Paulo II em 1980, a participação internacional do fundador junto à Santa Sé, também foram contemplados na entrevista. A paixão de Moysés pela Igreja ficou evidente em suas falas e o desejo de dar de graça aquilo que de graça recebera.
Perfil
Moysés Louro de Azevedo Filho tem 51 anos. Nasceu em Fortaleza. É fundador e moderador geral da Comunidade Católica Shalom, que foi criada em 1982. O movimento está hoje no Brasil inteiro e em 15 países. Surgiu com uma lanchonete na Aldeota, onde hoje funciona o Shalom da Paz. Em 2007, a comunidade recebeu o reconhecimento pontifício da Santa Sé, pelo papa Bento XVI. Moysés é consultor do Pontifício Conselho para os Leigos, também nomeado pelo papa Bento XVI. Começou a estudar Geologia, mas deixou dois anos depois. Quis cuidar do sofrimento humano e se formou em Fisioterapia. Mas não exerce. Não quis ser padre - contrariando o desejo inicial da mãe. Celibatário, mora na comunidade e dedica o tempo totalmente à evangelização e aos trabalhos do Shalom. De línguas estrangeiras, fala italiano, espanhol, um pouco de francês e de inglês.
Moysés Louro de Azevedo Filho tem 51 anos. Nasceu em Fortaleza. É fundador e moderador geral da Comunidade Católica Shalom, que foi criada em 1982. O movimento está hoje no Brasil inteiro e em 15 países. Surgiu com uma lanchonete na Aldeota, onde hoje funciona o Shalom da Paz. Em 2007, a comunidade recebeu o reconhecimento pontifício da Santa Sé, pelo papa Bento XVI. Moysés é consultor do Pontifício Conselho para os Leigos, também nomeado pelo papa Bento XVI. Começou a estudar Geologia, mas deixou dois anos depois. Quis cuidar do sofrimento humano e se formou em Fisioterapia. Mas não exerce. Não quis ser padre - contrariando o desejo inicial da mãe. Celibatário, mora na comunidade e dedica o tempo totalmente à evangelização e aos trabalhos do Shalom. De línguas estrangeiras, fala italiano, espanhol, um pouco de francês e de inglês.
Editorial:
Não dá para falar na história do Shalom sem contar a história do Moysés. E o contrário também vale. É indissociável. A biografia de Moysés Azevedo tem como principal marco a fundação do movimento Shalom, comunidade da renovação carismática da Igreja Católica. Mas não é só isso – e isso já é muito.
Moysés é o único homem dos filhos. Foi dos mais esperados, desejados e queridos. A mãe queria muito um menino. Mas veio logo uma menina. Assim como a segunda. Seguida da terceira, da quarta e da quinta. A mãe rezava, pedia a São Francisco e, em troca, o faria padre. Até que o sexto filho foi Moysés.
Mas de igreja, de missa, de padre, ele nem queria saber. Foi um encontro de jovens que mudou a vida do adolescente de 15 anos. Sentiu-se tocado pela graça divina. Sentiu a experiência do amor de Deus, como ele repete. E a partir daí, quis dar de graça o que de graça recebeu – como também enfatizou várias vezes na nossa conversa.
Conversa em que fala dos trabalhos do Shalom, da dedicação dos missionários, da servidão à Igreja. Moysés, a propósito, se admite um apaixonado pela Igreja e pelos princípios da instituição, apesar dos desafios, dos pecados. Cita o respeito à vida ao atacar o aborto; lista o amor ao defender o celibato. Ele, celibatário que não quis ser padre, acredita que a descoberta do amor divino é capaz de transformar a vida de qualquer um. Assim como aconteceu com ele.
O POVO - Como foi o início da sua vida na igreja?
Moysés Azevedo - Eu nasci numa família tradicionalmente católica. Quando meus pais se casaram, minha mãe queria muito um filho homem. E ela dizia que o consagraria a Deus. Nasceram cinco meninas. Com ela aos 44 anos, finalmente eu nasci. As mais velhas já estavam casando. Fui praticamente criado com os meus sobrinhos. Quando eu era adolescente, eu não gostava dessa história, porque as amigas da minha mãe diziam: “Cadê o meninozinho que vai ser padre?”. Eu não queria ser padre.
OP - Você estudava onde?
Moysés - No Cearense, o Marista. E quando tinha 15 anos, uma amiga me convidou pra participar de um encontro de jovens da Arquidiocese de Fortaleza. E eu: “Tô fora”. Não me atraía. Para mim, naquele tempo, Deus era uma coisa distante, tradicional. Ela insistia. Pra mim, a igreja não era um lugar pra jovem. Fim de semana pra mim era festa, diversão. Mas aquele fim de semana mudou a minha vida.
OP - Por quê?
Moysés - Porque, pela primeira vez, eu tive uma experiência pessoal e forte com a pessoa de Jesus Cristo. Pra mim, Deus era uma ideia. Jesus Cristo era um cara legal. Mas, naquele encontro, eu pude experimentar que Deus é vivo, é uma pessoa real e que tocou a minha vida. Eu descobri que Deus me amava, de uma maneira muito pessoal, única e que ele podia encher de sentido a minha vida. E essa descoberta mudou a minha vida, meus valores, meu modo de pensar, de agir.
OP - E você parou de ir às festas?
Moysés - (risos) Não, mas passei a vivê-las de forma diferente. Continuei um jovem igual aos outros, mas eu não buscava a felicidade no álcool; não buscava a felicidade simplesmente numa pessoa, achando que ela ia me fazer feliz e pronto. Eu não buscava mais a felicidade numa sexualidade desordenada, que me dava um momento de prazer, mas que não traria paz no coração. Eu descobri que a paz é uma pessoa viva, Jesus Cristo.
OP - Mas você não quis ser padre.
Moysés - Não. Eu quis, sim, dar de graça o que de graça o que eu recebi. Descobri um amor maior, um amor divino. Se o amor humano é capaz de transformar a vida de uma pessoa, imagina o amor divino, que ultrapassa todos os sentidos de entendimento. Não podemos ficar com isso só pra nós.
OP - E onde é que a renovação carismática se diferencia aí?
Moysés - Eu não diria a renovação carismática, mas a igreja como um todo. E estamos falando do Shalom, como comunidade. Eu não sei onde ele se diferencia, eu sei quais são as nossas propostas. Quando eu comecei a me engajar no movimento de jovens da Arquidiocese, comecei a frequentar os grupos de jovens, que eu até então desconhecia.
OP - Igreja era só pra velho, né?
Moysés - Igreja, pra mim, era só pra gente velha, careta, que não dizia nada pra mim. E eu comecei a descobrir a igreja de uma face diferente, com um rosto jovem. Eu não posso ficar com essa experiência só pra mim.
OP - Mas você não sabia como.
Moysés - Mas eu não sabia como fazer isso. Exatamente. Havia grupos de jovens, a gente fazia uns encontros, mas como ir ao encontro daqueles jovens, como falar de Deus, da verdade, de Jesus Cristo, do amor? Foi quando, em 1980, o papa João Paulo II veio ao Brasil. E veio encerrar o Congresso Eucarístico Nacional em Fortaleza. E na época, dom Aloísio Lorscheider, cardeal arcebispo de Fortaleza, me disse para, em nome dos jovens, dar um presente ao papa. Fiquei muito feliz, honrado e me pus em oração. “Vou ofertar a minha vida e a minha juventude para evangelizar”. Fiz uma carta, uma espécie de compromisso. Chegou o dia, 9 de julho de 1980. Na missa, na hora do ofertório, eu entregaria a minha carta ao papa. Como eu estava na comissão de organização, trabalhando, eu já tinha visto algumas vezes o papa passando ali. Tudo normal. Mas quando eu estava na fila, chegou a minha vez e estava ali o papa João Paulo II. Nem sei mais o que foi que aconteceu. (risos)
OP - Do que você se lembra?
Moysés - Eu não conseguia nem falar. Fui andando, me ajoelhei diante dele e entreguei a carta. Eu não disse nada. Duas coisas ficaram muito fortes: o olhar do papa, eram uns olhos que procuro um azul igual àquele e não encontro. E como ele gostava de fazer, me tocou o rosto, me aproximou dele e, a segunda coisa que eu nunca vou esquecer, me abençoou. Esse olhar do papa João Paulo II e a mão dele sobre a minha cabeça é algo que eu percebi que tinha recebido uma graça e uma graça que eu não sabia o que era. E eu percebi que não era só – não era só, mas já era muito – João Paulo II que me olhava, que me abraçava e que me abençoava. Era Cristo também, era a igreja também.
OP - E a construção do Shalom?
Moysés - Eu só percebi que tinha recebido uma graça. Não identifiquei qual. Continuei rezando e começou a vir uma inspiração. Via que o jovem que estava distante, que não estava na igreja, não aceita convite de ir à missa, mas come um lanche. E daí, a inspiração: por que não fazer uma lanchonete pra evangelizar? Os jovens entrariam ali e nós poderíamos testemunhar, conversar, um diálogo franco, aberto e testemunhar aquilo que aconteceu na nossa vida. Aí, a gente montou uma lanchonete. Apresentávamos logo o cardápio e os sanduíches, as pizzas tinham os nomes bíblicos. As pessoas perguntavam: ‘O que é ágape?’. É o amor de Deus. Então, era um início de um diálogo respeitoso.
OP - Você imaginou que se transformaria nesse movimento?
Moysés - Jamais. Nunca pensei em fundar nada. Na frente, era uma lanchonete. Atrás, tinha uma capelinha com o Santíssimo Sacramento exposto em adoração.
OP - Como era sua relação com dom Aloísio?
Moysés - Muito boa. Dom Aloísio foi um pai pra nós, me acolheu como um jovem que queria servir a Cristo e à igreja. E acreditou no nascimento da obra Shalom, que era uma coisa muito diferente, nós éramos leigos, não tínhamos padres. Hoje, nós temos padres na comunidade, famílias, consagrados.
OP - O movimento ordena padre?
Moysés - Hoje, o movimento tem um reconhecimento pontifício da Santa Sé, com o papa Bento XV, em 2007. Já teve o reconhecimento diocesano, quando dom Cláudio era arcebispo de Fortaleza. Somos a primeira comunidade no Brasil que recebeu o reconhecimento pontifício. Temos sacerdotes formados na comunidade, mas são ordenados pelo arcebispo de Fortaleza, dom José Antônio, que é também um pai para nós. Estão a serviço da missão da comunidade.
OP - A igreja católica não tem perdido fiéis?
Moysés - Houve esse período. Nos anos 70, nos anos 80, no começo dos anos 90, houve um pouco essa defasagem. Hoje, ao contrário, com os novos movimentos, os movimentos eclesiais, a renovação carismática, o neocatecumenal, Focolare, as novas comunidades, como Shalom, Canção Nova, esses movimentos são respostas do espírito para os desafios do tempo de hoje. Não é só simplesmente perder fiéis, o que existe no mundo de hoje é um grande desafio até de indiferença religiosa. As pessoas creem em Deus, mas vivem como se ele não existisse.
OP - Não é o medo do desapego?
Moysés - Eu não acredito que é o medo do compromisso. É a falta da experiência do amor de Deus. Quando nós nascemos, nós recebemos o batismo na Igreja Católica. Depois, fizemos a primeira comunhão. Acabou-se. A gente estuda matemática, física, química, biologia, história. No campo humano, a gente desenvolve. Mas no campo da fé, a gente fica com a fé de uma criança de 10 anos.
OP - Mas a renovação carismática não mostrou a igreja de uma outra forma?
Moysés - Também. É um carisma. A comunidade Shalom tem um carisma.
OP - E o que é o carisma?
Moysés - É um dom de Deus, dom do Espírito Santo, que derrama sobre pessoas na igreja para atualizar o evangelho, para renovar a igreja.
OP - A liturgia é a mesma, mas as músicas são mais animadas. Isso não vai no sentido contrário?
Moysés - É uma renovação. Pra que existem os cantos? A celebração é viva, onde Deus está presente. A missa não é um espetáculo, não é um show aonde a gente vai se divertir. Os cantos precisam ser atualizados pra cultura de onde nós estamos.
OP - Mas as pessoas comentam que, nos arredores do Shalom, o barulho é grande.
Moysés - Isso é verdade.
OP - Não há exagero?
Moysés - No Shalom, seguimos todas aquelas prescrições da lei da poluição sonora. Claro que a gente pode melhorar. O ambiente é aberto, ressoa um pouco, mas tem a seriedade da nossa parte de não sair do horário. Por exemplo, o Halleluya, a gente fazia no Parque do Cocó, a gente sabia que incomodava aquelas pessoas por ali. A gente foi pro CEU (Condomínio Espiritual Uirapuru). Nós queremos aproximar as pessoas da igreja, não afastar.
OP - E o público do Shalom? É muito mais classe A e B?
Moysés - Se você for a uma missa de quinta-feira (a missa de cura), quero que você me responda isso. A nossa rádio atinge um público enorme. No Halleluya, tem gente de todo tipo, todos os lugares.
OP - O que impediu você, então, de ser padre?
Moysés - Tem uma passagem do Evangelho que João Batista diz “Ninguém pode se atribuir a algo que não recebeu do céu”. Deus não me chamou a ser padre. Deus me chamou a consagrar. Eu sou celibatário. Namorei, noivei, senti o chamado de Deus.
OP - Mas ter uma família não impediria de você fazer isso.
Moysés - Não e sim. Não impediria de se dedicar. E sim, da forma como eu me dedico. O celibato, que muitas vezes é tão questionado por aí, é um dom. Eu sou celibatário e nem sou padre. O sacramento do matrimônio é um grande dom. Mas existe um outro dom, que é o celibato que o mundo não entende.
OP - E como a igreja explica?
Moysés - A sexualidade é um dom de Deus que nos dá, a capacidade de amar. O celibatário é alguém que reúne toda essa sua capacidade de amar e oferta essa capacidade de amar a Deus. E essa comunhão de amor se transforma em uma fecundidade explosiva em favor dos outros e da humanidade. O celibatário se une a Deus de uma forma espiritual e Deus se une a ele.
OP - Você não acha que a igreja poderia rever alguns princípios?
Moysés - Eu sou um homem que acredita na vida, que a vida é capaz, mesmo nas situações mais difíceis e dolorosas, de renovar. Eu sou um apaixonado pela igreja. Onde há os que sofrem e não têm como se defender, a igreja levanta sua voz pra defender.
OP - Você fala do aborto?
Moysés - Também, também. Por exemplo, uma criança que já foi concebida, que é uma vida, quem vai dizer por ela? Ela tem direito de viver. A igreja é a voz de quem não tem voz. Rever esses pensamentos seria rever a sua própria natureza.
OP - Como é a sua relação com outras igrejas?
Moysés - De respeito. Minha posição é a posição da igreja. Em relação aos nossos irmãos protestantes, temos a relação do ecumenismo, do diálogo, ver aquilo que nos une, em vez de ver aquilo que nos separa. Já passou o tempo dos conflitos, agora é o tempo da comunhão.
OP - Como o Shalom se mantém?
Moysés - Quando um projeto é de Deus, Deus cuida. Temos que trabalhar. As pessoas são generosas e partilham. Fazem suas ofertas, suas partilhas. Através dos nossos benfeitores, nossa comunidade se mantém.
OP - Como o Shalom observa a política?
Moysés - É um lugar onde se deve viver o Evangelho e a caridade de Cristo. A caridade é o amor atuante. É dever dos fiéis leigos participar da vida política. A sociedade tem razão de reclamar, mas não de se omitir.
OP - Tem quem use o movimento para se eleger?
Moysés - Pode existir. Por isso, temos que estar muito atentos. Temos que ajudar a formar a consciência de todos os membros do movimento. Outro papel é formar lideranças cristãs que possam atuar na vida pública. Ninguém vai lançar candidato... Nosso papel não é apresentar “esse é o ungido, o candidato do Shalom”.
OP - Vocês são procurados nas eleições?
Moysés - Sem dúvida.
OP - E qual é a reação?
Moysés - Dizer que o movimento não apoia oficialmente ninguém. Oferecer dinheiro, nunca recebi proposta. Acho que ninguém tem coragem. Pedem apoio. Não estou dizendo que são pessoas desonestas. Mas nossa posição é de formar, educar e de gerar. Na hora que você toma partido, você divide.
OP - Por que o Shalom deu certo?
Moysés - Porque não é uma obra humana, é uma obra de Deus. O Moysés passa. Mas essa obra, como é de Deus, não passará.
OP - E qual é o desafio de hoje?
Moysés - Às vezes, a gente quer transformar o mundo. E precisa. Mas só há um caminho: mudando o coração do homem. Se a gente muda, constrói, transforma o coração do homem, a gente muda o mundo. Acho que é essa a nossa missão.
Fonte: http://www.comshalom.org/noticias/exibir.php?not_id=4320
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