terça-feira, 12 de julho de 2011

* “Marcha da maconha”.Liberdade de expressão ou apologia às drogas?



Ferreira Gullar
Folha de S. Paulo, 3 de julho de 2011


Senti um arrepio quando soube que o Supremo Tribunal Federal aprovou a Marcha da Maconha. O Supremo! É que, nesta cabeça maranhense, maconha se liga a meus antigos companheiros da praia do Caju, e não aos garotões de Ipanema. Senti-me, de certo modo, homenageado, não por mim — que não me dei bem com a diamba (nome dela no Maranhão) ao experimentá-la —, mas por Maninho e Pereba, fumantes inveterados.
Num primeiro momento, pareceu-me que o Supremo aprovara o uso da maconha, mas, lendo com atenção, vi que os ministros só aprovaram a marcha em favor dela, não fumá-la, já que isso é crime. Ah, bom, disse a mim mesmo, pois estava achando estranho um tribunal supremo sair em defesa de uma droga que deixa o cara doidão.
Já eu, ligadão no vício da indagação, não pude deixar de me perguntar: mas a marcha não é para fazer valer o direito de o cidadão puxar o seu fumo dentro da lei? Quer dizer que o Supremo é a favor da marcha, mas contra seu objetivo.
relator da matéria, ao propor a aprovação da tal manifestação, esclareceu que não permitia aos manifestantes fazerem a apologia da maconha. E aí fiquei sem entender direito, porque, se a marcha visa a legalizar o seu uso, realizá-la é proclamar a público que a maconha é uma coisa boa, inofensiva e, mais que isso, um barato.
Veja bem, não estou contra nem a favor, estou apenas procurando entender a lógica do Supremo. E por isso me pergunto: iria alguém para a rua para defender algo que considerasse pernicioso? Claro que não. Logo a marcha é, implicitamente, uma apologia da maconha, ou não haveria por que fazê-la.
Houve mesmo um ministro que, empolgado, defendeu o direito de todo cidadão manifestar-se a favor das drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas, o que torna possível, democraticamente, a realização amanhã de marchas da cocaína e do crack.

Voltando à praia do Caju e ao beco do Precipício dos anos 1940, quando maconha era coisa de marginal, lamento que Maninho e Pereba não tenham vivido o suficiente para assistirem à prestigiosa ascensão da erva, hoje objeto da atenção de ministros e ex-presidentes da República e até de um Prêmio Nobel de Literatura. Se aqui ainda estivessem, certamente se sentiriam antecipadores de uma revolução dos costumes. Mas, como passaram da maconha à cocaína, um terminou louco num hospício, e o outro foi morto pelo tráfico.
Quanto a mim, que sobrevivi, não mereço as honras devidas aos precursores e mártires, pois, já naquela época, “careta” por vocação, tentei convencê-los de que o chope do Motobar também dava barato e era menos perigoso. É verdade que não fiquei no chope, pois logo descobriria o barato da poesia, a que me entrego até hoje.
Troquei São Luís pelo Rio, o Motobar pelo Vermelhinho e pude, muitos anos depois, assistir à internacionalização da maconha, arrastando consigo já não os Maninhos e os Perebas, mas jovens da classe média do mundo inteiro.
De novo, os vi passarem da maconha à cocaína e endoidarem. Está certo ou errado? Foi escolha deles e cada um, como se sabe, tem o direito de dar à vida o rumo que quiser, no que, tenho certeza, os ministros do Supremo concordarão comigo.
Só espero que os traficantes não se valham disso para cobrir a cidade com grandes outdoors, afirmando que “cheirar é um direito de todo cidadão”. Ou seja, se você acha que cheirar faz mal, não cheire, mas não queira impedir o outro de fazê-lo. Cada um é dono de seu nariz. Como tenho a mania de meter o nariz onde não devo, ponho em questão também essa tese. Sem dúvida, cada um faz o que quer com seu nariz, desde que, com isso, não crie problemas para o nariz alheio.

Pois a verdade é que, se o garoto adere às drogas e não tem grana para comprá-las, mete a mão na bolsa da mamãe. Drogado, pode sair doidão com o carro do papai e atropelar alguém. Por essas e outras é que não participo da Marcha da Maconha, mas, se promoverem marchas pela melhora do atendimento psiquiátrico, contem comigo.

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