quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Gianna Beretta Molla e EU

Por Maria Emmir Oquendo Nogueira (Co-fundadora da Comunidade Shalom)

Em 24 de abril de 1994, mal tinha ouvido falar de Gianna. Havia-me admirado de seu ato heroico para salvar sua filha e citava-o quando pregava sobre a paternidade responsável e respeito à vida nos cursos de sexualidade e Matrimonio, muito em voga na época e, lamentavelmente, esquecidos hoje em dia. Naquela época, estes cursos aglomeravam filas de pessoas à espera de uma vaga, e eu era a principal responsável por eles. Com o nascimento do meu quarto filho, inexplicavelmente, a procura diminuiu até praticamente acabar.


Meu quarto filho nasceu em 1988. Havia sido minha quarta cesaria e os médicos, como de praxe até hoje, pressionavam de todo o jeito para que eu laqueasse as trompas. Neguei durante os nove meses de gravidez, consciente de que tal mutilação é um pecado grave, ainda mais para quem era esclarecido e pregava sobre o assunto como eu. No dia do parto, para garantir que nada seria feito contra a vontade de Deus, pedi a uma amiga ginecologista e cristã, que estivesse comigo na sala de parto. Na mesma sala, estava meu cunhado que, sendo cirurgião plástico, sempre acompanha as intervenções cirúrgicas da família.


Meu bebe nasceu com problemas respiratórios e a pressa do pediatra em tira-lo da sala pareceu-me evidente. A culpa abateu-se sobre mim, confusa e zonza devido aos anestésicos e sedativos. Retirada à criança, o obstetra consultou-me acerca da laqueadura. O útero estava "como um papel" e estava difícil até fazer a sutura. Consultei minha amiga e meu cunhado. Ambos foram peremptórios. Não suportaria uma outra gravidez. Diante de minha aflição, meu cunhado prometeu: "se algum dia você se arrepender, prometo que reverto a cirurgia". O obstetra vendo minha aflição, disse que faria a laqueadura de uma forma que, se eu quisesse, poderia vir a ser revertida, mas que cortaria as trompas (naquela época costumava-se, em alguns casos, apenas "amarar", como se dizia popularmente).


Não responsabilizo os médicos presentes por minha decisão. Absolutamente. A decisão foi minha e, por mais zonza que estivesse, era consciente e esclarecida o bastante para saber que estava fazendo algo que a Igreja proibia peremptoriamente. No entanto, tendo saído da sala de cirurgia, o assunto apagou-se inteiramente de minha memória, embora - graças a Deus! - não se tenha apagado de minha consciência. Que belo presente de Deus é a consciência do homem!


O fato de meu filho ter passado cerca de 72 horas na incubadora (fato que, na época era reservado para os bebes em risco), fez-me concentrar-me exclusivamente nele e , uma vez em casa, pude cuidar dele pessoalmente, em meu quarto, durante cerca de dez meses, amamentando-o, "curtindo-o" de todo o jeito. Era meu ultimo meu precioso, minha ultima chance de viver a maternidade biológica. Naturalmente, não tinha consciência disso na época, mas, olhando a partir de hoje, vejo que o conhecimento deste fato deu-me um senso extra de responsabilidade e despedida com relação ao exercício da maternidade para com ele.


Um belo dia, a Comunidade orientou uma revisão geral de vida. Cada um deveria rezar e examinar-se com relação a dezenas de perguntas. Fiz minha revisão à noite e, embora não houvesse dentre as perguntas nada que sequer se referisse à paternidade responsável ou métodos naturais (eu era, à época, a única casada da comunidade de vida), Deus e Gianna me conduziram de forma terna e firme.


Terminada a revisão de vida, deitei-me de uma forma que não costumo absolutamente fazer: de bruços, com a mão direita sobre o ventre. No mesmo instante em que me deitei, caíram as escamas dos meus olhos e o negro véu de minha consciência. Lembro-me de ter falado alto: " Meu Deus, laqueei as trompas! Meu Deus, o que foi que eu fiz?!" Na mesma hora, apesar do adiantamento da hora, liguei para o meu cunhado, cobrando a promessa. Ele pediu alguns exames e marcou a cirurgia para segunda-feira seguinte. Dormir meio aliviada, meio perplexa, meio aflita, sem ter com quem partilhar tudo aquilo, pois meu esposo já estava dormindo desde cedo. No outro dia, às seis horas, estava à porta da capela do Colégio Santa Cecília para interceptar o padre antes mesmo da missa. Confesso que foi muito doloroso, mas também edificante, confessar um pecado evidentemente mortal, evidentemente publico, evidentemente vergonhoso. Senti-me salutarmente humilhada e vislumbrei a imensidão do cuidado e da misericórdia de Deus para comigo e para com minha família. Ele tinha tudo para me condenar, mas escolheu abençoar, exercer a misericórdia e oferecer o perdão.


Um dia antes da cirurgia, fui confessar-me mais uma vez com um santo padre que, era meu confessor quinzenal, Pe. Tito. Durante a confissão, ele quis certificar-se de que era realmente aquilo o que eu queria e eu expliquei que, no meu caso, aquele era um escândalo publico que requeria reparação publica. Sua ultima frase sobre o assunto me ressoara sempre aos ouvidos: " Và, minha filha. Faça o que você acha que è a vontade de Deus. Tenho certeza de que Nossa Senhora, no seu caso, faria o mesmo".


Confesso que não foi fácil enfrentar uma micro cirurgia há tantos anos atrás. Era o inicio desta técnica e eu jamais ouvira falar de uma reversão de laqueadura de trompas. Novamente, me invadia o medo de deixar meus filhos, especialmente o pequenino. Pedi ajuda aquela mulher heroica de quem havia ouvido falar, a Gianna que, na época, chamava de Geana. A cirurgia durou três horas (minha trompa esquerda estava perdida, grudava em algum lugar e teve de ser procurada), mas sai melhor do que antes. Tinha recuperado em 80% a trompa direita e 60% à esquerda, o que, para mim, significava 100%, pois doze anos antes havia recebido o diagnostico de trompas coladas e consequentemente esterilidade.


No domingo anterior à cirurgia, fui à missa à noite, com as malas já prontas para ir ao hospital. La, para minha surpresa, Padre José Ialéia contou que, naquela manha, João Paulo II havia beatificado Gianna Beretta, médica, esposa, mãe, sobretudo Mãe, defensora da vida. Foi um sinal de Deus. Gianna e eu estávamos, assim, mais do que nunca unidas e, com ela e por sua intercessão, deito-me cada dia mais responsável por rezar, meditar, estudar e estudar acerca da maternidade e do valor da vida.


Depois da cirurgia, os alunos voltaram ao curso de sexualidade e matrimonio, pois havia sido reconquistada a autoridade espiritual perdida pelo meu pecado, embora a laqueadura fosse do conhecimento de menos de dez pessoas. São mistérios da vida espiritual, que exige imensa coerência. Além disso - e fico imensamente feliz por este fato - muitos casais que não podiam ter filhos procuraram-me para orar por sua fertilidade. Tenho dezenas de "filhos" no Brasil e um na Itália. Agora mesmo, estou escrevendo de Belém, da casa de uma dentre estes "filhos". Dormi em seu quartinho, agradecendo a Deus por sua vida e pedindo a Gianna, canonizada ontem, que faça dela uma mulher feliz e amiga de muitos santos, como Gianna e eu.


Um comentário:

  1. Este testemunho é muito forte!!! está Mulher é um exemplo de Santidade para nós.

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